sábado, 4 de dezembro de 2010



(Ramos, 1982)


"Eu sou um literato horrível, e só dou para isso. Tenho procurado outras profissões. Tolice. Creio que meu pai e minha mãe me fizeram lendo o Alencar, que era o que havia no tempo deles. O Estado está pegando fogo, o Brasil se esculhamba, o mundo vai para uma guerra dos mil diabos, muito pior que a de 1914 - e eu só penso nos romances que poderão sair dessa fornalha em que vamos entrar. Em 1914-1918 morreram uns dez ou doze milhões de pessoas. Agora morrerá muito mais gente. Mas pode ser que a mortandade dê assunto para uns dois ou três romances - e tudo estará muito bem. Por aí vê você que eu sou um monstro ou um idiota.
[...]
Somos uns animais diferentes dos outros, provavelmente inferiores aos outros, duma sensibilidade excessiva, duma vaidade imensa que nos afasta dos que não são doentes como nós. Mesmo os que são doentes, os degenerados que escrevem conversa fiada, nem sempre nos inspiram simpatia: é necessário que a doença que nos ataca atinja outros com igual intensidade para que vejamos nele um irmão e lhe mostremos as nossas chagas, isto é, os nossos manuscritos, as nossas misérias, que publicamos cauterizadas, alteradas em conformidade com a técnica." (Graciliano Ramos, 1982)
Por Pedro Ziggiatti

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